Jussara Lucena, escritora

Textos

O mesmo sonho

Esta noite, como em outras, acordei após o mesmo sonho. Abri a cortina da janela. No céu eu ainda podia observar nossas luas. Sena na sua fase crescente, enquanto Danubius já exibia toda a sua luminosidade de lua cheia.
Fui até a varanda e continuei a olhar o céu. As luzes das luas não permitiam uma boa observação mas procurei lá, no meio da imensidão algum sinal daqueles que vejo nos sonhos que me perseguem.
Nossos instrumentos e conhecimentos ainda são insuficientes para explicar a nossa origem, porém, não posso acreditar que estejamos sós em nosso Universo.
Observando outros braços de Gênesis, alguns astrônomos puderam identificar que em volta de uma pequena estrela, na borda da galáxia, existem vários planetas ou luas - não se sabe ao certo que tipo de corpo celeste são - que guardam semelhança com a nossa Vitta.
Em meus sonhos já estive lá. Os habitantes são semelhantes a nós, a principal diferença está na cor da pele que é diversificada e no tamanho da cabeça, o que sugere um cérebro ligeiramente menor que o nosso. A maior parte deles possui a musculatura avantajada em relação a nossa e, provavelmente, dependem de mais esforço físico em seu dia-a-dia. Talvez a diferença esteja na atração gravitacional.
Eu estou lá, mas os nativos não podem visualizar-me, por mais que eu tente chamar atenção deles. Na maior parte do tempo flutuo, observo seus diálogos e atitudes. É noite e eles estão agitados, olham o céu, apontam em diversas direções. Lá no alto há objetos luminosos em movimento repetitivo que sugerem uma mensagem. A olho nu confundem-se com os astros do céu. Alguém diz que não são planetas, nem estrelas. São espaçonaves imensas e que com um telescópio potente podem visualizar um símbolo, que é descrito como o escudo de nossa agência interplanetária, duas estrelas sobrepostas sobre o V de nossa Vitta. Só mesmo em sonho. Ainda não dispomos de tecnologia para chegar lá em curto tempo.
Achei melhor voltar para cama. Na manhã seguinte, logo cedo, participaria de uma cessão de imposição de mãos, de terapia coletiva por energização, para um grupo de habitantes de nosso Polo Austral.
O tempo passou e já faz mais de uma hora desde que tentei em vão pegar no sono. Ouvi um ruído. Talvez alguém tivesse entrado em minha casa.
Quando comecei a descer os degraus da escada, percebi que havia uma mulher. Pareceu-me uma nativa do planeta que povoa os meus sonhos. Os cabelos avermelhados se destacavam quando refletidos pelos raios de Danubius, que atravessavam a claraboia da sala. Não consegui ver o seu rosto. Ela fez um sinal para que eu a seguisse. Uma nevoa dominava o espaço lá fora.
Havia um portal. Quando atravessamos, numa sala um vídeo descrevia o planeta. Terra, ela me disse. Uma imensidão azul, dominada pela água na superfície.
Levei um pouco de tempo para me acostumar com os gases da atmosfera.
Depois, a luz se reduziu no ambiente. Ela surgiu.
Descobri que ela não era do meu mundo, nem do planeta que eu visitava em sonhos. Era um dos seres que observavam as espécies dos dois mundos: Vitta e Terra.
Ela tocou o meu rosto e foi como se eu a conhecesse e a desejasse durante toda uma vida. Não fiz perguntas, apenas me entreguei ao momento. Foi muito mais do que uma simples relação. Não tenho como descrever o que quimicamente aconteceu.
Quando tudo acabou, ela se vestiu novamente. Eu não sabia se tudo fora parte de um ato de amor ou de uma experiência. O que eu queria era que tudo se repetisse.
Uma luz muito forte tomou conta do ambiente e me ofuscou a visão por alguns instantes. Quando enxerguei normalmente eu estava de volta ao meu quarto em Vitta. O despertador insistia no toque.
Meu sonho ganhou uma nova fase. Espero, já a algumas noites, que se repita. Meu coração ganhou uma dona. Sei que ela habita algum mundo em nosso universo. Quem sabe ela tenha o mesmo desejo e reapareça.

texto que fez parte da Coletânea Sonhos da Perse, 2018.

Adnelson Campos
02/04/2019

 

 

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